Fatucha Superstar – Ópera Rock… Bufa
João Paulo Ferreira

Embora a sua obra, iniciada em 1975, tenha acabado por focar muito mais fortemente questões políticas e sociais, João Paulo Ferreira realizou esta obra singular, Fatucha Superstar, num registo musical inspirado no Jesus Christ Superstar, de Andrew Lloyd Webber. Com a revolução ainda quente, Ferreira desconstrói aquele que foi um dos grandes alicerces do Estado Novo: as aparições de Nossa Senhora de Fátima. Se por um lado, Fatucha Superstar é fiel à estética hippie do musical de Webber – e a uma geração portuguesa da altura –, já Fátima, ou Fatucha, é um sofisticado travesti que surge aos três pastorinhos de óculos escuros e descapotável.

O filme abre com imagens de peregrinos em Fátima. Mas apesar desta introdução em registo documental, o que João Paulo Ferreira nos propõe é que revisitemos o mito, contando-nos a sua verdade acerca do mesmo. Num descampado, os três pastorinhos, Lúcia, Jacinta e Francisco dançam em enorme alegria, até que Jacinta (de bigode farfalhudo) tem uma premonição. Mas é a Francisco que Fatucha aparece. O rapaz imediatamente chama as suas irmãs para com ele testemunharem o estranho fenómeno. Fatucha canta aos pastorinhos, prometendo-lhes sucesso e notoriedade no futuro. Mas Francisco, mais do que inebriado pelas promessas, apaixona-se por esta insinuante mulher, a quem dedica uma canção, em êxtase bucólico: “Eu sinto a minha cabeça à roda, / o peito, espartilho, / não posso esquecer aquela gaja, / que é boa com’ó milho...” Surge então de novo Fatucha, também num solo, prometendo dar início à sua luta, não sem antes consultar Deus, que reage assim à sua proposta: “Mas que grande debochada...” Quando Fatucha surge novamente aos pastorinhos, dá-se início ao milagre, aqui em forma de passos de mágica. Ela faz surgir uma mesa, tira objectos de uma cartola, faz aparecer um sumo de laranja para os refrescar, transfigura Jacinta numa apelativa mulher. Mas algo não corre tão bem. Num passo mal ensaiado, faz desaparecer Jacinta, levando os seus irmãos a escorraçá-la. Fatucha foge para o carro e a tragédia adivinha-se. Qual Isadora Duncan, o seu véu fica preso à roda. Fatucha parece ter-nos deixado.

A meio desta sua reinterpretação das aparições, João Paulo Ferreira interrompe a narrativa para um insert – anunciado por um efeito de luzes psicadélicas –, que nos remete para o presente. Numa pista de dança, anjos, freiras e Deus, dançam despudoradamente. As personagens desta fábula entregam-se aos mais terrenos e carnais desejos. Num altar, ao fundo, a substituir a figura religiosa, esse outro objecto de culto bem mais pagão: um enorme falo. No final do filme, novo regresso ao tempo presente. Um grupo de amigos celebra Fatucha. Afinal, ela não morreu. Numa derradeira homenagem, cantam-lhe em uníssono: “Oh Fatucha Superstar, porque andas tu o povo a enganar. / Oh Fatucha Superstar, olha que ainda te vão lixar”. João Ferreira

/ Detalhes

Ano: 1976

País: Portugal

Língua: Português

Legendas: Sem Legendas

Elenco: Fefa Putollini, José Cabecinha, J. M. Rodrigues, João Carlos, Domingos Oliveria

/ Realização

João Paulo Ferreira

Portugal


João Paulo Ferreira nasceu em 1943. Começou a fazer cinema em 1975, integrado no “Cineground”, grupo que se caracterizou por fazer uma primeira tentativa de comercialização de filmes Super 8, em pequenas salas de diversão (“boîtes” e clubes nocturnos), em Portugal. Esses seriam aliás os lugares de eleição, na época, para a divulgação de uma cinematografia de carácter underground e, no caso de João Paulo Ferreira, também queer (como, aliás, aconteceu com o seu contemporâneo Óscar Alves, de quem foi assistente de realização e montador). Foi ainda membro do Núcleo dos Cineastas Independentes.


Filmografia

1978 – Ruínas (Curta-Metragem)
1977 – Tempo Vazio (Curta-Metragem)
1976 – Os Demónios da Liberdade (Curta-Metragem)
1976 – Fatucha Superstar (Longa-Metragem)
1975 – Trauma (Curta-Metragem)

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