
O Queer Lisboa – Festival Internacional de Cinema Queer, está de volta ao Cinema São Jorge e Cinemateca Portuguesa, para a sua 29.ª edição, entre os dias 19 e 27 de setembro. Com cerca de uma centena de filmes na programação, o festival dá a conhecer os primeiros destaques.
Secção por excelência dedicada a destaques do circuito internacional, assim como a documentários de espectro temático mais alargado sobre a cultura queer, a secção Panorama deste ano desvela um conjunto de títulos que celebram figuras como as de Camila Sosa Villada, Ney Matogrosso, Venus Xtravaganza, Peter Hujar, Sally Gearhart ou Alexina B., e outros que traçam contextos políticos passados, mas também presentes, com a perigosa ascensão da extrema-direita no mundo ocidental. É esse precisamente o tema do documentário italiano, My Boyfriend el Fascista, de Matthias Lintner, onde o realizador, esquerdista, filma a relação com o namorado, Sadiel Gonzalez, migrante cubano em Itália e defensor das ideologias da extrema-direita, revelando-se as suas muitas idiossincrasias, mas que nos obrigam a uma séria reflexão sobre estes tempos que vivemos. Na ficção, a dupla brasileira Filipe Matzembacher e Marcio Reolon regressa ao Queer Lisboa com Ato Noturno, estreado em fevereiro último na Berlinale, onde a hipocrisia política se alia a uma apetência pelo sexo em público, num cativante neo-noir passado na Porto Alegre dos dias de hoje.
Em 1991 é lançado um documentário, assinado por Jennie Livingston que, apesar das muitas críticas que o acompanharam, se viria a tornar uma influente obra na cultura queer. Paris is Burning revelara-nos os muitos rostos até então anónimos da cena ballroom de Nova Iorque, de entre os quais se destacou um, o de Venus Xtravaganza, mulher trans e trabalhadora do sexo, a quem seria retirada a vida ainda antes da estreia do filme. I’m Your Venus, assinado pela realizadora trans Kimberly Reed, procura hoje respostas ao seu desaparecimento, juntando as suas famílias biológica e escolhida, numa sentida e justa homenagem. Dos EUA, chega-nos um outro documentário, Sally!, de Deborah Craig, que passa em retrospetiva a vida e o legado de Sally Gearhart, falecida em 2021, importante pioneira do movimento feminista lésbico dos anos 70 e 80, nos EUA, onde fez ativismo ao lado de figuras conhecidas como Harvey Milk.
De regresso ao festival está o cineasta independente Ira Sachs, com o seu mais recente Peter Hujar’s Day, adaptação literal do livro homónimo, da escritora Linda Rosenkrantz, que transcreve uma conversa sua com o famoso fotógrafo norte-americano, seu amigo. De uma estética e contenção irrepreensíveis, Sachs constrói um filme intimista, ode à criação artística e à cidade de Nova Iorque, com interpretações exímias de Ben Whishaw e Rebecca Hall. De Espanha, chega-nos o documentário Alexina B. Vidas en Composición, de Alexis Borràs, onde se explora o processo de composição da nova ópera de Raquel García-Tomás, inspirada nas memórias de Alexina B., uma pessoa intersexo do século XIX, biografada por Foucault no seu “Herculine Barbin dite Alexina B.”. Nesta jornada artística, Raquel García-Tomás transforma a compreensão da realidade intersexo numa fonte de empatia e inspiração, mostrando como cada decisão musical e narrativa dá vida a esta comovente história.
De regresso à América do Sul, dois títulos que são um tour de force de Jesuíta Barbosa e Camila Sosa Villada. Homem com H, de Esmir Filho, é um olhar à vida do cantor Ney Matogrosso, protagonizado por Barbosa, habilmente contornando a tentação de retratar a totalidade de uma vida tão cheia, focando-se antes nas relações e momentos-chave da sua vida pessoal e carreira e que nos ajudam a perceber este fenómeno de transgressão da MPB e que tanta influência teve na cultura queer brasileira - e onde não falta a presença desse outro ícone, Cazuza. Fenómeno literário latino-americano, logo no momento do seu romance de estreia, As Malditas, a escritora trans argentina Camila Sosa Villada, tem-se afirmado também como argumentista e atriz. Adaptado por Villada do seu romance do mesmo nome, e realizado por Javier van de Couter, Tesis sobre una Domesticación põe a atriz ao lado do ator mexicano Alfonso Herrera, nesta construção hiperbólica de uma domesticidade impossível, onde Villada volta a rasgar todos os cânones da normatividade.
PANORAMA
Alexina B. Vidas en Composición / Alexina B. Composing Lives, Alexis Borràs (Espanha, França, 2025, 77’)
Ato Noturno / Night Stage, Filipe Matzembacher, Marcio Reolon (Brasil, 2025, 119’)
Homem com H / Latin Blood - The Ballad of Ney Matogrosso, Esmir Filho (Brasil, 2025, 129’)
I’m Your Venus, Kimberly Reed (EUA, 2024, 85’)
My Boyfriend el Fascista / My Boyfriend the Fascist, Matthias Lintner (Itália, 2025, 95’) * na foto
Peter Hujar’s Day, Ira Sachs (EUA, Alemanha, 2025, 76’)
Sally!, Deborah Craig (EUA, 2024, 95’)
Tesis sobre una Domesticación / Thesis on a Domestication, Javier van de Couter (Argentina, 2024, 113’)